Ontem apresentei aos meus leitores simplesmente as propostas do Executivo para uma reforma tributária, sem análise ou comentário, apenas para informação. Hoje me deparo com os dados do IPEA, divulgados na Folha de São Paulo, sobre a concentração de renda no país e o impacto dos impostos em todas as camadas sociais.
Então percebi que, para corrigir as várias distorções que temos na área tributária, uma das principais causas da concentração de renda nas mãos de poucos brasileiros, a reforma tem que se aprofundar muito mais do que o proposto pelo Executivo. Especialmente na inversão dos critérios de taxação, reduzindo a carga sobre o consumo, pois ela é elevada demais, o que significa uma penalização brutal da camada mais pobre da população.
Os dados do Instituto de Pesquisa Econômica Aplicada (IPEA) indicam que os 10% mais ricos no Brasil detêm 75% da riqueza! Desta forma, mesmo diante dos dados que indicam os benefícios advindos dos programas sociais para o combate à pobreza, a desigualdade social estrutural no país ainda permanece inalterada.
Então está nítido que temos um grave problema de distribuição da riqueza que é produzida por todos neste país. E é justamente aí que a reforma tributária poderá cumprir um papel fundamental para corrigir este histórico problema social gerado pela concentração de renda. É preciso haver maior eqüidade social.
O estudo do IPEA é bem claro: a carga tributária representa 22,7 % da renda dos 10% de brasileiros mais ricos e, para os 10% mais pobres, equivale a 32,8%. No Brasil a tributação sobre o patrimônio é de apenas 3% do Produto Interno Bruto (PIB), sobre a renda é de 7,1% e, sobre o consumo, de 47,9%.
Na avaliação do economista Rodrigo Ávila, o Brasil insiste em focar a cobrança de impostos pelo consumo, não pela renda, garantindo privilégios ao grande empresariado, exportadores e estrangeiros que investem na especulação financeira da dívida interna do país. Há isenção do IR sobre a distribuição de lucros para sócios das empresas, tanto no Brasil como no exterior, e da remessa de lucro e investidores estrangeiros.
Considerações e sugestões
A reforma tributária proposta pelo Executivo cria o IVA federal, unificando alguns tributos já existentes (COFINS, PIS, CIDE e Salário Educação). É uma simplificação do procedimento, mas não muda a essência, que é a tributação elevada sobre o consumo. E, ainda corre-se o risco de perder recursos para a Educação, porque pela proposta a destinação será descontinuada. O governo garante que não haverá perdas, mas com esta descontinuidade é impossível assegurar que isto não vá ocorrer.
Há ainda um outro risco social na proposta, que prevê a retirada da Constituição da destinação para a seguridade social. Isto se constitui em um novo ataque ao sistema de proteção social que, desde a promulgação da nova Constituição, em 1988, já sofreu inúmeros retrocessos no seu financiamento e orçamento autônomo do orçamento fiscal da União. Podem surgir brechas para desvios da seguridade social, que abrange a Previdência, a Saúde e a Assistência Social.
A proposta que desonera a folha de pagamento também não explica para onde irá o dinheiro da redução da alíquota do empregador, de 20%, para 14%. O trabalhador, entretanto, continuará tendo seu desconto no contracheque. Não se explica se a diferença do desconto do empregador irá para as próprias empresas ou para o INSS. De qualquer forma o dinheiro do INSS não é do governo, é do trabalhador. Não se pode admitir que o os trabalhadores percam parte de seus benefícios.
Acredito que uma reforma tributária com justiça social precisaria de outras propostas, como a revogação das isenções concedidas ao grande capital, como a do IR sobre distribuição dos lucros e a dedução dos juros sobre capital próprio, que permite às empresas deduzirem do IR os juros que teriam pago se tivessem tomado seu capital emprestado, uma verdadeira ficção jurídica.
Aliás, esta ficção beneficia especialmente os bancos. Hoje também li nos jornais que os bancos batem recordes de lucro. Dezoito bancos brasileiros estão acima dos 20% do nível já considerado altíssimo da chamada rentabilidade sobre o patrimônio líquido. Até 1998 eles pagavam uma alíquota de 30% de CSLL, que depois foi reduzida para apenas 9%. Esta isenção absurda precisa ser revogada.
Os investidores estrangeiros que especulam com a dívida interna estão isentos de IR desde 2006, com a lei 11.312. Isto é de uma injustiça atroz, quando sabemos que o trabalhador tem que pagar imposto a partir de uma tabela de IR super defasada, que confisca sua renda, enquanto o estrangeiro, que vem especular, está isento. Outra isenção que não pode continuar.
Volto, então, à minha afirmação do início deste comentário: é preciso cortar os impostos sobre o consumo e começar a tributar mais a renda, o lucro, a propriedade. Países desenvolvidos sempre fizeram isto, tendo como principal fonte de arrecadação a renda, quando no Brasil é o consumo. E nada disso que considerei ou sugeri é incompatível com a reforma tributária que foi proposta.
Comentários