Atendendo a pedidos de internautas que acessam o meu blog, como eu, defensores da democracia, disponibilizo aqui a íntegra do meu discurso proferido ontem, Dia Internacional da Democracia:
Senhor Presidente,
Senhoras e Senhores Senadores,
Jean Jacques Rousseau em sua famosa obra o Contrato Social, referindo-se à democracia chegou a afirmar num gesto de pessimismo que “se houvesse um povo de deuses, esse povo se governaria democraticamente”.
Segundo ele, governo tão perfeito não quadra seres humanos, e reflete, tomando o termo com todo rigor, chega à conclusão de que jamais houve, jamais haverá verdadeira democracia.
Nas palavras de Duvarger “Nunca se viu e nunca se verá um povo governar-se a si mesmo”.
Segundo Paulo Bonavides, em seu livro intitulado Ciência Política, o pensamento que combate a democracia, mais uma vez se escorou naquele lugar da obra do filósofo (Rousseau), com o intuito de abalar os fundamentos do regime e desprestigiar a doutrina do povo soberano.
Continua Bonavides:
“Tomando a aparência assustadora de antagonista das liberdades democráticas, o Rousseau daquelas máximas tão mal compreendidas pelos seus intérpretes nunca poderá fazer sombra ao verdadeiro otimismo rousseauniano. A frase amorável do filósofo se evidenciará sempre na doutrina da soberania popular, objeto de exposição em que a lógica predomina impecavelmente”.
Numa alusão aos que se voltam contra o sistema democrático de governo, Lord Russel, chegou a se expressar da seguinte forma:
“Quando ouço falar que um povo não está bastantemente preparado para a democracia, pergunto se haverá algum homem bastante preparado para ser déspota”.
Já o Primeiro Ministro inglês Winston Churchill, que comandou a famosa Batalha da Grã-Bretanha, enfrentando o poder aéreo do ditador nazista Adolf Hitler, quando “muitos deveram tanto a tão poucos”, nos deixou como herança, dentre tantas frases famosas que escreveu, aquela que fala sobre democracia:
“A democracia é a pior de todas as formas imagináveis de governo, com exceção de todas as demais que já experimentamos”.
Ele quis dizer, com a sua histórica e proverbial ironia, que por pior que seja o regime democrático ninguém conseguiu nem conseguirá um sistema melhor que assinale como um povo deve organizar um governo e traçar o seu próprio destino.
Já Marnoco e Souza, jurisconsulto português assim se expressou ao lembrar a importância do princípio democrático:
“O princípio democrático resulta da impossibilidade de encontrar outro que lhe seja superior”,
Citando Clemenceau, Afonso Arinos balizou a distinção entre democracia e ditadura:
“Em matéria de desonestidade, a diferença entre o regime democrático e a ditadura é a mesma que separa a chaga que corrói as carnes por fora, e o invisível tumor que devasta os órgãos por dentro. As chagas democráticas curam-se ao sol da publicidade com o cautério da opinião livre, ao passo que o cânceres profundos das ditaduras apodrecem internamente o corpo social e são por isto mesmo muito mais graves”.
Desde a Grécia clássica que se fala em democracia.
O modelo ateniense foi instaurado no longícuo ano de 508 a.C. por um aristrocrata chamado Clístenes. Ele imaginou e criou uma assembléia na qual todo cidadão tinha o direito de falar e votar. Nos tempos modernos o homem conheceu e adotou a democracia representativa. Na Grécia antiga havia a democracia direta, onde o povo, reunido no Ágora, transformava a praça pública “no grande recinto da nação”.
A Ágora fazia o papel do Parlamento nas democracias modernas.
Apesar de a história fazer esse registro de que a democracia teve como berço a Grécia, o sistema ali praticado estava longe de se constituir num sistema de ampla liberdade de opinião, uma vez que escravos e mulheres estavam excluídos automaticamente de todas as decisões de um grupo seleto de 600 cidadãos.
No entanto, os gregos levavam muito a sério o princípio da isonomia entre os cidadãos que compunham o seu mosaico social, entre aqueles que usufruíam do seu sistema político e democrático. Os cidadãos eram punidos e não tinham foro privilegiado. No seu singelo sistema jurídico não comportava a existência de homens invioláveis.
Assinala Francisco Nitti que com a isonomia ficou abolida na Grécia a concessão de títulos ou funções hereditárias, abrindo a todos os cidadãos o livre acesso ao exercício das funções públicas, sem qualquer distinção ou requisito que o merecimento, a honradez e a confiança depositada no administrador pelos cidadãos.
Segundo o sistema instituído pelos Gregos, permitir privilégios a grupos ou classes, era incompatível com a democracia, representava a negação daquele princípio que devia ser respeitado: o princípio da isonomia.
Havia também o princípio da isagoria, que constitui o direito da palavra, de falar livremente nas Assembléias populares, de debater de forma aberta, transparente, os negócios do governo. É a soberania do governo de opinião que se instalava. Era aquilo que hoje conhecemos como liberdade de imprensa, ou como liberdade de opinião no mundo novo e incontrolável da internet.
Seria impraticável ao Estado moderno a adoção daquele sistema de democracia direta praticado pela Grécia antiga. Seria impossível imaginarmos a realização de Assembléias gigantescas em praça pública para a tomada de decisões governamentais ou para a elaboração de leis. Daí o sistema de democracia indireta ou representativa, ou semi-direta, dos tempos modernos.
As eleições numa democracia são o batismo da consagração dos que pretendem participar da vida pública. Eleições limpas destituídas de vícios, fraudes e corrupção, constituem a luta dos regimes democráticos para a sua purificação e legítima escolha dos dirigentes e dos parlamentares. A luta por um Poder Judiciário autônomo, que não decida pela pressão dos fortes, e, sim, pela essência dos direitos fundamentais dos que nele confiaram e bateram em suas portas; um Judiciário que não se erga como poder incontrastável e queira substituir a representação popular do Parlamento ao legislar sobre matéria que não se insere entre as de sua competência; a luta por um Legislativo que se imponha ao não permitir que os seus afazeres normais sejam fragilizados por escândalos e que, por sua indecisão em exercer o papel que lhe compete na democracia, acabe abrindo brechas para os que pretendem destruí-lo ou enfraquece-lo. Partidos políticos que existam realmente como interlocutores entre eleitos e eleitores, que não sirvam como balcão de negócios na cobertura exclusiva dos interesses das elites, sem preocupação em deslindar as causas da pobreza que geram a desigualdade, a injustiça social. Uma democracia, afinal, que respeite a autonomia dos poderes, harmonizando a convivência pacífica entre grupos e pessoas, para a construção do desenvolvimento e a correção das injustiças.
Muitos têm sido os artifícios criados pelos inimigos da democracia para solaparem as liberdades. Para alcançarem o poder, grupos radicais, aproveitando-se de crises econômicas, da inflação galopante, do descrédito da classe política, podem utilizar-se maliciosamente de eleições livres para decretaram o regime ditatorial, suprimindo as liberdades, pela anulação e pela quebra do princípio da legalidade.
Deveremos estar sempre atentos à eclosão das crises políticas ou econômicas, e jamais deixemos que durante o seu recrudescimento surjam como tábua de salvação os que se disfarçam de democratas para depois solaparem o que conquistamos para a nossa Nação, em avanços democráticos e ganhos sociais.
A ditadura nazista que provocou a segunda guerra mundial, o maior e mais terrível conflito bélico de todos os tempos, quando foram mortos e trucidados milhões de seres humanos, nasceu de eleições fraudadas pelo oportunismo demagógico, pelo populismo desenfreado, pelas promessas mirabolantes, em meio a um aparato de propaganda espetacular e enganoso, desencadeado pela força bruta de grupos extremistas e radicais, que prometiam reestruturar a Alemanha mergulhada na crise econômica e humilhada pelo acordo de Versailles, que lhe foi imposto pelas nações vitoriosas da I Guerra.
Devemos temer os milagreiros e os messiânicos, devemos repelir com a força do nosso voto e o desprezo de nossa consciência os que exploram a boa fé do povo para em seu nome impor regimes discricionários, pelo uso aparente de instrumentos de consulta democrática e que na prática simbolizam golpes desferidos contra as instituições políticas e democráticas.
A democracia representativa alicerça-se na vontade popular. Os mandatos podem ser revogados ou substituídos em eleições livres. Já a democracia só pode ser revogada pela força das armas, ou pelo populismo irresponsável apoiado na demagogia, que impõe ao cidadão a perda de sua liberdade.
O povo exerce o poder através de seus representantes, ou diretamente, por meio de institutos como o plebiscito, o referendum, a iniciativa popular ou o recall.
Mas, nem sempre a consulta direta representa o melhor caminho para solucionar dúvidas ou para decidir, quando estão em jogo o futuro e a vida de seres humanos, notadamente quando impera o regime discricionário ou o regime da força.
O julgamento de Jesus é um exemplo.
Recorda Hans Kelsen, no seu alentado trabalho “A Democracia”:
“No capítulo 18 do Evangelho de São João, descreve-se o julgamento de Jesus. Essa história simples, em seu estilo singelo, é uma das peças mais sublimes da literatura mundial... Foi por ocasião da Páscoa dos judeus que Jesus, acusado de se fazer passar pelo filho de Deus e rei dos Judeus, foi levado diante de Pilatos, o procurador romano. E Pilatos ironicamente perguntou a Jesus, que aos olhos do romano não passava de um pobre coitado:”Então és o rei dos judeus?”Mas Jesus tomou muito seriamente a pergunta, e, dominado pelo fervor de sua missão divina, respondeu:”Tu dizes que sou rei,. Para isso nasci e para isso vim ao mundo, a fim de dar testemunho da verdade. Todo aquele que é da verdade ouve a minha voz”. E então Pilatos perguntou:”Que é a verdade?”Pilatos um cético relativista, não sabia o que era verdade e optou por um procedimento democrático, submetendo a decisão do caso ao voto popular. Conta-nos o Evangelho que ele se voltou novamente para os judeus e lhes disse”Não vejo nele crime algum. Mas é costume entre vós que eu liberte um dos vossos por ocasião da Páscoa. Quereis, pois, que eu vos liberte o rei dos judeus?Então gritaram todos novamente:”Não este, mas Barrabás”. E o Evangelho acrescenta:”Ora, Barrabás era um ladrão”. Para os que acreditam no filho de Deus e rei dos judeus como testemunha da verdade absoluta, esse plebiscito é sem dúvida um poderoso argumento contra a democracia.
E conclui o escrito Hans Kelsen: “E, nós cientistas políticos, devemos aceitar esse argumento, mas apenas sob uma condição: a de que estejamos tão convencidos de nossa verdade política a ponto de impô-la, se necessário, com sangue e lágrimas, que estejamos tão convencidos de nossa verdade quanto estava, de sua verdade, o filho de Deus”.
A minha verdade, e a verdade de todos aqueles que defendem a liberdade, é a do governo inspirado na democracia, em um sistema de pesos e contrapesos, em que o poder limita o próprio poder, sem prevalência de um sobre os demais, um regime no qual os representantes do povo, respeitem o seu mandato, um regime no qual a conduta do homem seja uma linha reta na direção do horizonte, de onde vão surgir raios de luz mostrando os exemplos de trabalho construtivo, de decência e de humanismo.
Neste sentido, quero fazer minhas as palavras do Presidente Lincoln dos EUA, um dos maiores democratas de todos os tempos. Quero lembrar a sua mais famosa oração, a declaração de Gettysburg, sobre o significado de um governo democrático, quando exaltou o sacrifício dos que pereceram, e que esse sacrifício, com a perda de vidas humanas, serviu para que “o governo do povo, pelo povo e para o povo jamais desaparecerá da face da terra”.
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