Hoje tive um dia especialmente satisfatório. Duas Propostas de Emenda Constitucional (PECs) de minha autoria receberam amplo apoio da sociedade. Pela manhã participei de audiência pública na Comissão de Constituição e Justiça (CCJ) para o debate da PEC 33/2009, que resgata a exigência de diploma para os jornalistas, derrubada pelo Supremo Tribunal Federal.
Eu e Inácio Arruda, que é o senador relator da matéria, assinamos requerimento para a realização da audiência, justamente para ouvir os envolvidos na questão e aprimorar a proposta. Lamentavelmente o setor patronal, convidado, não compareceu.
Mas o debate foi engrandecido com a presença dos presidentes da Federação Nacional dos Jornalistas (FENAJ), Sérgio Murillo de Andrade, da Ordem dos Advogados do Brasil (OAB), Cezar Britto, do Fórum Nacional de Professores de Jornalismo (FNPJ), Edson Spenthof, e da Associação Brasileira de Pesquisadores em Jornalismo (SBPJor), Carlos Franciscato.
Para grande satisfação minha, contei com o apoio de todos eles. Todos disseram ser importante a aprovação da PEC, pois entendem que mais do que os profissionais de jornalismo, a democracia foi a grande prejudicada pela decisão do STF. Cezar Britto lembrou que ao “tirar a exigência de diploma para o exercício do jornalismo, feria-se o direito constitucional à informação de qualidade”.
Por minha vez, chamei a atenção para o fato de que outra garantia constitucional estava sendo agredida, que é o direito à igualdade, uma vez que para o exercício de outras profissões existe a exigência de diploma. E acredito que uma nação democrática como o Brasil não pode agir contra a igualdade.
À tarde participei de evento promovido pelo Conselho de Segurança Alimentar da Presidência da República (CONSEA) que tem dado amplo apoio à aprovação, pela Câmara dos Deputados, da PEC 47/2003, também de minha autoria, que inclui o item alimentação entre os direitos sociais previstos na Constituição.
O CONSEA lançou uma campanha nacional de apoio à proposta e conseguiu um abaixo-assinado de mais de 50 mil pessoas, que foi entregue hoje ao presidente interino da Câmara, deputado Marco Maia. Para alegria minha e de mais de 350 representantes de movimentos sociais e ONGs presentes à reunião, Marco Maia anunciou que já inserira a PEC na pauta de votação do plenário para a próxima semana. Todos esperam agora que ela seja aprovada e inserida na Constituição até o dia 16, Dia Mundial da Alimentação.
Aqui transcrevo para os meus leitores discurso sobre o problema mundial da alimentação que proferi na tribuna do Senado logo a seguir:
Todos unidos pela aprovação da PEC que inclui o direito à alimentação na Constituição Federal, a PEC 47/2003
Há poucos dias atrás, em Nova York, a secretária americana de Estado, Hillary Clinton, ao apresentar as grandes linhas de um plano dos Estados Unidos para combater a fome mundial, alertou a todos com as seguintes palavras: “A fome representa uma ameaça à estabilidade dos governos, sociedades e fronteiras”, para acrescentar em seguida que “segurança alimentar não é apenas uma questão de comida mas envolve segurança econômica, ambiental e nacional”.
A secretária de Estado está coberta de razão. Nesses termos é que quero no dia de hoje pronunciar-me sobre a questão do direito à alimentação, tomando a liberdade de começar a tratar deste tema partir de vários ângulos, a começar pela questão das drásticas alterações que estão marcando o clima no Planeta.
É fora de dúvida que as mudanças climáticas que seguem atualmente seu curso devastador, estão tendo e cada vez mais terão um impacto sobre a segurança alimentar dos povos da Terra. Secas extremas e extensas, enchentes históricas e devastadoras, destruição de plantações, colheitas frustradas, geadas fora de época, chuvas fora de época, invernos que trocam de lugar com verões, tudo isso vem tendo um efeito simplesmente terrível em termos da produção de alimentos para centenas de milhões de pessoas, sobretudo na África e Ásia mas também entre nós, mesmo que em menor intensidade do que naquelas regiões.
Portanto, as condições climáticas em deterioração pelo mundo afora não estão ajudando a que se consiga debelar o problema gravíssimo da fome. Isso por um lado.
Por outro, a crise econômica que nos atinge, que corrói a economia mundial, está no centro do problema de preços dos alimentos, de dificuldades para o acesso à alimentação por parte da população desempregada, sub-empregada ou que simplesmente vive à míngua nas grandes periferias e também no campo. As rebeliões contra o aumento dos preços dos alimentos que eclodiram, em 60 países desde 2007, foram um alerta nesse sentido e deram uma pequena idéia do rumo que esse problema pode vir a assumir.
Mas não se trata apenas do clima e nem somente da crise econômica.
Mesmo que o clima não estivesse se tornando essa tormenta e mesmo que o clima e a crise econômica não estivessem impactando a segurança alimentar de quase um sexto da humanidade, nós temos o outro fato inegável de que a população vem crescendo a altas taxas, taxas que – com a permanência e o aumento da pobreza – não tendem a arrefecer. Ao contrário, tendem a se ampliar.
Os dados a esse respeito estão em relatório do Instituto Internacional de Política Alimentar (IFPRI, sigla em inglês) que relata conferência recentemente realizada em Bangcoc. Um dos autores do relatório, o pesquisador Gerald Nelson, chamou a atenção de que em 2050, a população da Terra será 50% maior que a atual e que os desafios serão enormes mesmo que a mudança climática não ocorresse. E mesmo que a crise econômica atual venha a ser superada satisfatoriamente.
Ou seja, o problema tem dimensões dramáticas, globais, crescentes, qualquer que seja o ponto de vista ou o foco do pesquisador. O recente relatório anual da Organização das Nações Unidas para a Agricultura e a Alimentação (FAO) já traz um alerta para este ano de 2009. A FAO mostra que a barreira de um bilhão de pessoas que sofrem de desnutrição será superada em 2009 em consequência da crise econômica mundial. "Pela primeira vez na história da humanidade, mais de um bilhão de pessoas, concretamente 1,02 bilhão, sofrerão de desnutrição em todo o mundo", é o que adverte a FAO em seu relatório anual sobre a segurança alimentar mundial divulgado por esta Organização da ONU em 6 de junho passado. "O número supera em quase 100 milhões (11% a mais) o do ano passado e equivale a uma sexta parte aproximadamente da população mundial", diz a agência da ONU, que tem sede em Roma.
Nas palavras do diretor geral da FAO, Jacques Diouf, "A crise silenciosa da fome cria um risco grave para a paz e segurança mundial",. "Precisamos urgentemente formar um consenso amplo para a erradicação total e rápida da fome."
A FAO define como subnutrida a pessoa que ingere menos de 1.800 calorias por dia. Segundo a agência, quase todos os subnutridos vivem nos países em desenvolvimento. Cerca de 642 milhões estão na Ásia e na região do Pacífico, e 265 milhões na África Subsaariana. Na América Latina e no Caribe, são 53 milhões.
O número de subnutridos no mundo passou de 825 milhões no biênio 1995-1997 a 873 milhões de 2004 a 2006. Em 2008, o número caiu de 963 milhões a 915 milhões por uma melhor distribuição dos alimentos, mas a tendência se reverteu com o agravamento da crise econômica e financeira do fim do ano. O número de desnutridos voltou a crescer e, como disse, superamos a barreira de um bilhão de subalimentados no Planeta!
O próprio Kostas G. Stamoulis, diretor da Divisão de Desenvolvimento Econômico Agrícola da FAO, disse que é a primeira vez na história que o mundo tem tantos famintos. E ele mesmo reclamou que trata-se de uma contradição, já que o mundo tem muita riqueza, apesar da crise. Stamoulis disse que há recursos para eliminar a fome no mundo. E acrescentou:
"Este ano, temos quase um recorde de colheita de grãos, então não há falta de comida, há falta de acesso à comida àqueles que têm fome. a alta do preço de suprimentos como o arroz detonaram conflitos no mundo desenvolvido no ano passado”. Ou seja, a fome cresceu mesmo após a forte alta na produção de cereais em 2009, e uma pequena baixa no preço da comida em relação a meados de 2008. No entanto, a média dos preços dos alimentos ainda está 24% mais alta, em termos reais, que em 2006, segundo a FAO.
Aqueles estudos acima citados, do Instituto Internacional de Política Alimentar (IFPRI) mostram que os habitantes nos países em desenvolvimento terão acesso a 2.410 calorias diárias em 2050, 286 calorias menos que em 2000; na África será de 392 menos; e nos países industrializados de 250 menos. Os líderes do G20 acordaram na semana passada em Pittsburg (EUA) doar US$ 2 bilhões para combater a fome, enquanto a ONU anunciou uma cúpula sobre o problema em novembro.
Ciente da gravidade desse quadro venho empenhando meu mandato na luta por uma emenda constitucional – a PEC 47/2003, de minha autoria – e o faço com a consciência de que é necessário tratar a questão da fome com a gravidade que ela merece. Vejo como necessário que a segurança alimentar, o direito à alimentação para cada cidadão e cidadã do nosso país, passe a se fazer presente na Carta Magna, lado a lado com outros direitos sociais.
O fortalecimento da democracia, a solidez das instituições não terão onde apoiar-se enquanto houver fome entre nós, enquanto tivermos aquele que pode alimentar-se e aquele que não pode.
O ministro Patrus Ananias tem razão quando mostra que as raízes da exclusão social e da fome estão encravadas na história social do nosso país e também quando chama a atenção para avanços como a Lei Orgânica da Assistência Social, a Lei Orgânica de Segurança Alimentar e Nutricional. Também vejo como avanço a iniciativa do Presidente Lula com a criação do Ministério do Desenvolvimento Social e Combate à Fome em 2004.
Mas é preciso ir além. A nossa política social tem que ser permanente, tem que ser cada vez mais vigorosa, temos que construir nesse país um verdadeiro Estado do Bem-Estar Social, sólido e com abrangência nacional, que abarque desde cada capital até o último município do alto sertão.
A política contra a fome não pode depender de um ou outro governo. Por isso fiz essa proposta de Emenda Constitucional recomendando o direito à alimentação como direito social de primeira linha, constitucional, junto com os demais como educação, saúde e lazer.
Democracia e cidadania podem virar termos vazios sem a segurança alimentar.
Evidentemente o grande problema mundial está na África, na Ásia, palcos de fome endêmica e de situações de puro horror. Mas nós temos ainda, no nosso país, dezenas de milhões de pessoas em insegurança alimentar, leve moderada ou grave. Ou seja pessoas e famílias que mesmo quando não apresentam situação de fome, mas vivem limitação de acesso quantitativo aos alimentos. Isto sem falarmos naquele crescente contingente que, tendo acesso quantitativo às calorias, mas só conseguem ter acesso fácil a alimentos mais baratos que engordam sem nutrir, verdadeiras calorias vazias. Por isso temos desnutrição lado a lado com obesidade, isto é, com consumo de calorias vazias, massas refinadas, doces, refrigerantes, que engordam sem nutrir.
O Brasil já assina vários tratados internacionais que garantem o direito humano à alimentação adequada e saudável, como a Declaração Universal dos Direitos Humanos, o Pacto Internacional dos Direitos Econômicos, Sociais e Culturais, de 1966, e a Cúpula Mundial de Alimentação, de 1996, cúpula onde os chefes de Estado reafirmaram o “direito de toda pessoa a ter acesso a alimentos seguros e nutritivos, em consonância com o direito à alimentação adequada e com o direito fundamental de toda pessoa de estar livre da fome”.
Diferentes tratados internacionais foram assinados, agora temos que lutar pela inclusão explícita do direito à alimentação no conjunto de direitos fundamentais garantidos pela Constituição.
Temos que fazer avançar a PEC 47, já aprovada entre nós e atualmente com grandes chances de vir a ser aprovada na Câmara dos Deputados. Esperemos que seja votada e aprovada ante do próximo dia da Alimentação Mundial, 16 de outubro. Seria uma vitária da democracia e da cidadania, uma vitória da idéia humanitária que coloca o alimento muito mais como um direito social do que como uma mercadoria. E mais ainda no mundo do agronegócio, no mundo das supercolheitas, no mundo onde não há mais motivo tecnológico e nem produtivo para a escassez e nem para a fome.
A promessa de erradicação da fome vem sendo feita por sucessivos presidentes da ONU e acaba de ser retomada pela secretária Hillary Clinton nesse encontro de dois dias atrás em Nova York, em nome do presidente Obama. Também se constitui em uma bandeira do nosso governo e que abraço com fervor e como parte da defesa do bem-estar do nosso povo. Mas não posso deixar de citar as palavras de Giuseppe Manzini a respeito de promessas:
“Os príncipes podem esquecer as promessas, mas o povo jamais as esquece”.
Era o que tinha a dizer.
Antonio Carlos Valadares
(Senador PSB/SE)
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