MAIS CASOS DE FEDERALIZAÇÃO DE CRIMES PODEM REDUZIR VIOLAÇÃO DOS DIREITOS HUMANOS

  
Em caso de aprovação, pelo Congresso Nacional, de Proposta de Emenda Constitucional (PEC), por mim apresentada ontem, não só o Procurador-Geral da República, mas outros oito agentes poderão solicitar ao Superior Tribunal de Justiça (STJ), independente da fase em que estejam os inquéritos ou processos, a federalização de crimes contra os direitos humanos cometidos em qualquer parte do país. A medida pode coibir impunidades, além de assegurar o cumprimento de obrigações decorrentes de tratados internacionais de direitos humanos dos quais o Brasil seja parte.

Atualmente, o deslocamento de competência para a Justiça Federal só pode ser pedido pelo Procurador-Geral da República, em caso de violação dos direitos humanos que venha a ser considerada “grave” e houver risco de descumprimento de tratado internacional de direitos humanos, do qual o Brasil faça parte. Além disso, é preciso que exista um contexto de omissão, negligência ou comprometimento do poder público na investigação ou julgamento dos fatos.

Pela minha proposta, podem também encaminhar ao STJ pedido de federalização do crime, o Presidente da República, a Mesa do Senado Federal, a Mesa da Câmara dos Deputados, a Mesa de Assembléia Legislativa ou da Câmara Legislativa do Distrito Federal, o Governador do Estado ou do Distrito Federal, o Conselho Federal da Ordem dos Advogados do Brasil, partido político com representação no Congresso Nacional e confederação sindical ou entidade de classe de âmbito nacional, conforme já prevê o artigo 103 da Constituição Federal, para os pedidos de ação direta de inconstitucionalidade.

O denominado incidente de deslocamento de competência (IDC) tem sido pouco utilizado, apesar das reiteradas violações dos direitos humanos e crimes graves que permanecem impunes, notadamente os sucessivos assassinatos e atentados contra a vida, ocorridos no contexto das disputas fundiárias pelo país. Até a data da apresentação desta PEC, apenas dois IDCs foram suscitados pelo Procurador-Geral da República e julgados pelo Superior Tribunal de Justiça. O problema inclusive foi alvo da coluna do jornalista Jânio de Freitas, publicada na Folha de São Paulo do último dia 21 deste mês, intitulada "Alguém quer agir".  

O primeiro IDC tratou do caso da irmã Dorothy Stang, missionária assassinada no Pará em fevereiro de 2005. O Procurador pediu a federalização, mas o STJ a julgou desnecessária, por considerar que não se verificaram omissões das autoridades constituídas na investigação, processamento e julgamento do homicídio. À época, o IDC foi proposto porque havia o receio de impunidade, já que o poder público local havia sido alertado previamente da violência e das diversas ameaças envolvendo a disputa pela posse de terras públicas no município de Anapu (PA).

O segundo IDC refere-se ao homicídio do advogado e ex-vereador Manoel Bezerra de Mattos, que denunciava a existência de um grupo de extermínio atuando na divisa entre Pernambuco e Paraíba. Manoel foi morto em janeiro de 2009 e até hoje o grupo estaria atuante, inclusive ameaçando a mãe da vítima e autoridades locais. Em outubro de 2010, pela primeira vez, por cinco votos a dois, o STJ decidiu dar provimento ao IDC, considerando a permanência das ameaças e a falta de punição dos responsáveis.

Com a decisão, os cinco suspeitos do assassinato do ex-vereador deixaram de ser investigados pelas autoridades locais e passaram para a competência da Polícia Federal, Ministério Público Federal e da Justiça Federal da Paraíba. A federalização não apenas serviu para coibir a impunidade, mas também para proteger as próprias autoridades locais da situação de extrema vulnerabilidade em que se encontravam, na medida em que empreendiam esforços de investigação e processamento judicial.

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